Como me disse Amélia Fonseca das Adufeiras de Monsanto : “o Adufe está vivo! E Já não morre!”

Para além da profusão de grupos e adufeiras do contexto tradicional, o adufe tem encontrado grande receptividade nos centros urbanos do litoral do país. Aliás, desde os tempos da Revolução de Abril que foi um instrumento símbolo da cultura Tradicional e do mundo rural.

Alguns dos marcos mais importantes na história recente do adufe são: o CD Cantares do Andarilho de Zeca Afonso (1968) e no fundo toda a projecção que o cantautor deu ao adufe; as peças de teatro “Raízes Rurais, Paixões Urbanas” (1997) e “Talvez… Monsanto” (2020) de Ricardo Pais; o espectáculo “Aduf” idealizado por José Salgueiro para a Expo 1998, em Lisboa; a criação da Oficina de Artes Tradicionais da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova (2007) e a designação do adufe como símbolo do mesmo Município.

Nos últimos 10 anos, podemos observar um movimento crescente que importará estudar e que ganhou um grande impulso a partir do meu projecto AL-DUFF. Já hoje é possível que haja mais adufeiras/adufeiros nas cidades da faixa litoral do país do que nas regiões do contexto tradicional (Idanha e Paúl).

É um instrumento apreciado, valorizado e tocado por variadíssimos grupos que o usam como instrumento principal e que não pertencem ao contexto tradicional, tais como: Projecto Aduf (adufões gigantes), Adufe em Lisboa, AdufeLab, Adufeiras do Porto, Adufe e Alguidar, Cramol, Segue-me à Capela, NEFUP, GEFAC, Crua, Fio à Meada, Cardo Roxo, Bandua, Criatura, Maria Monda, SullAduf, entre muitos outros.

Adufe na música erudita

A evolução do instrumento e das técnicas de execução projectaram o adufe para a música nova. Juntamente com o compositor Bruno Gabirro o duo “Adufe&lectrónica” fez uma residência no Museu do Pico, nas Lajes do Pico, de 4 a 7 de Abril de 2019. Nos 4 dias de trabalho conceptualizámos um programa inteiramente dedicado ao diálogo entre o adufe e a música electrónica em tempo real.

As seis peças tinham por base a exploração de determinadas novas técnicas performativas, improvisação e interacção com os diversos aspectos e recursos da electrónica.

Em Junho de 2022, todo o programa foi gravado ao vivo no O´Culto da Ajuda, com produção MisoMusic Portugal. Foi lançado em Monsanto, durante a Festa do Adufe, no dia 30 de Abril de 2023.

Também no ano 2019, o percussionista Tiago Manuel Soares, que fez um brilhante recital de fim de licenciatura sobre os instrumentos de percussão tradicional portuguesa (algo inédito!), encomendou “Ensaios sobre Cantos IV” à compositora Ângela Ponte. Esta peça constitui a primeira partitura editada para adufe (ver Multimédia abaixo).

A importância dos Encontros Med: as Adufeiras ensinam

Os Encontros Med, dos quais fui co-fundador e director artístico (2018-2019), foram o corolário de uma uma série de workshops e formações que tinha vindo a organizar nos últimos anos, quer a nível pessoal, quer integrado na Frame Drums Atlantic (com do percussionista irlandês Dave Boyd, organização entretanto extinta). Foi um momento marcante no percurso do ensino de adufe dentro do espírito de missão que assumi: fazer a ponte entre as pessoas da Tradição e as pessoas de fora da Tradição. Ao mesmo tempo que pretendia elevar a execução do adufe um nível de excelência.

Só foi possível pela direcção geral e produção de Daniela Tomaz, do apoio da DGARTES, do Município de Idanha-a-Nova e do Ensemble Med.

Nasceram dentro dessa filosofia as duas primeiras edições (2018 e 2019), contaram com participantes e professores de vários países, tendo a a Tradição Portuguesa do Adufe como tema central.

Foram professoras convidadas as Adufeiras de Monsanto. Proporcionaram a todos uma experiência única de aprendizagem e partilha. Complementada pelas minhas aulas de Adufe – Iniciação e Adufe – Moderno, juntamente com os professores Isabel Martínez (Pandero Cuadrado de Peñaparda), Bruno Spagna (Tamorra e Tamburello) e (Mauricio Molina) frame drums medievais e investigação.

Estes encontros, como outros momentos formativos que organizei, mostraram que se podia ir às aldeias aprender com as pessoas de lá. E que isso era uma experiência extremamente rica a todos os níveis: humano, social, cultural e pessoal.

Acredito que a grande evolução do adufe nos últimos 10 anos se deveu à não exclusão das pessoas do contexto tradicional deste processo. Construiu-se algo novo e com uma perspectiva criativa, mas sempre com a Tradição como base. As adufeiras e artesãos participaram e continuam a participar no processo.

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