A Senhora do Remédio (não confundir com a Senhora dos Remédios de Lamego) é uma cantiga de adufe de Penha Garcia, cantada e gravada várias vezes pela adufeira Catarina Chitas.
Juntei neste vídeo 3 recolhas:
- Giacometti cerca de 1970
- Sardinha cerca 1980
- Flávio Pinho, 1990. Da qual não tenho o audio original, apenas a transcrição, reproduzida pelo Musescore.
Ao ouvirmos as três seguidas podemos fazer uma análise comparativa sobre diversos aspectos.
Recolha de Giacometti
- três adufeiras (vozes e adufes)
- estão a cantar perto do tom de Fá
- ritmo ternário (Chitas está a fazer D Tki Tki; a adufeira à sua esquerda D Tk T; a adufeira à sua direita parece só estar a tocar com a mão direita)
- a adufeira mais atrás no plano, da qual não se vê a cara, está a tocar o ritmo desencontrado do ritmo de Chitas (vejam perto dos 22segundos os golpes da mão direita no Dum)
- o adufe dessa adufeira tem a pele mal esticada, vê-se as ondas na pele (normalmente acontece quando o fio rebenta de um dos lados)
Senhora dos Remédio,
Tem o remédio na mão,
Para curar uma mágoa,
Que eu trago no coração.
Senhora dos Remédio,
Linda boquinha de riso,
Linda maçã camoesa,
Criada no paraíso.
Senhora dos Remédio,
Minha mãe, minha madrinha,
À hora da minha morte
Há-de ser defesa minha.
Recolha de Sardinha
- apenas Catarina Chitas (voz e adufe)
- está a cantar perto do tom de Mib
- ritmo ternário D Tki T
- No início da cantiga e em alguns momentos da mesma o padrão rítmico não está muito regular, sendo corrigido juntamente com a melodia/texto
A Senhora do Remédio
Tem o remédio na mão
Para curar uma mágoa
Que eu tenho em meu coração
A Senhora do Remédio
Linda estrelinha do Norti
Hei-di a mandar chamari
Há hora da minha morti
Senhora do Remédio
Linda boquinha de riso
Minha maçã camoesa
Criada no paraíso
Recolha de Pinho
- segundo relato, apenas voz, sem adufe a acompanhar.
- Transcrição está no tom de C#
- Compasso binário
- É um exemplo de como os intervalos da melodia são alterados pela transcrição e pela limitação da escala de 12 meios tons iguais.
A Senhora do Remédio
Tem o remédio na mão
Para curar uma mágoa
Qu´eu tenh´em meu coração
A Senhora do Remédio
Ela vai e ela vem
Co seu menino nos braços
Não o fia de ninguém
A Senhora do Remédio
É mão de quem a não tem
Hei-di-li manda dizeri
Si quer ser minha também
“Observações: A) A Senhoras dos Remédios é celebrada em Alfrivida (concerto. Vila Velha de Ródão) … C) O Rancho Folc. de Penha Garcia começou a cantar a Senhora dos Remédios com quadras alusivas à Senhora do Leite porque, segundo Chitas, esta “estava muito esquecida”, não se realizando nenhuma festa em sua honra.” D) “Com adufe custa mais a tocar. Sou capaz de me enganar, porque não a tenho tocado. Eu tocava-a com adufe, que eu ensaiei-a com adufe. Mas como ela custa assim a tocar, quando foi no Rancho começámos a cantar sem adufe. Dizem que se inclina mais temos cantares e os pontos. Com adufe mete mais barulho.” relato de Chitas, 1990 (Flávio Pinho, Cancioneiro Musical de Penha Garcia, 2011).
Considerações gerais
A maioria das cantigas que conheço às Nossas Senhoras são em ritmo binário. Não conheço mais nenhuma cantiga em ternário como aqui aparece. (Na minha opinião, não estou totalmente convencido de que é uma cantiga em ritmo ternário dada a construção das frases melódicas e das sílabas tónicas das palavras. Parece-me que houve aqui alguma adaptação ou reinterpretação da melodia para ser acompanhada pelos adufes.)
O tom foi baixando desde a primeira recolha, o que poderá eventualmente ser consequência natural da idade.
Nas reinterpretações desta cantiga, existe alguma confusão no primeiro verso. Há quem cante “A Senhora dos Remédios” e “A Senhora do Remédio”.
O quarto verso na versão do Giacometti surge na transcrição do texto como “que trago em meu coração”, nas outras duas percebe-se que é: “que tenho em meu coração”.
O final a terceira frase melódica, que corresponde à primeira vez que se canta o segundo verso de cada estrofe, na versão de Pinho é transcrita como 3ª menor. Na gravação do Giacometti não sinto esta terceira como menor mas como 3ª Maior.
Neste vídeo podemos ver como a mesma cantiga, gravada pela mesma pessoa em épocas diferentes, pode assumir várias nuances. A riqueza deste reportório está na reinterpretação, na individualidade e criatividade de quem as canta e toca.
Todas estas recolhas são de certa forma incompletas para percebermos como é a cantiga e como se faz hoje em Penha Garcia, se é que ainda se canta. Fazia falta ouvi-la ao vivo.